terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Solenidade da Santa Mãe de Deus Maria - Ofício de Vigílias (31 de dezembro)


Maria autem conservabat omnia verba haec conferens in corde suo...[1]

As palavras que acabamos de ouvir no Sto. Evangelho nos conduzem ao âmago da celebração deste Solene Ofício de Vigílias: Maria guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração.

Segunda antiqüíssima tradição da Igreja, as Vigílias Noturnas eram celebradas com um caráter meditativo e penitencial. Por isso os antigos cristãos, com o Ofício de Vigílias, muitas vezes unido à Eucaristia, preparavam-se para as grandes solenidades do ano litúrgico, máxime a Páscoa do Senhor, chamada por Santo Agostinho, “mãe de todas as sagradas vigílias”.

É neste espírito de meditação e recolhimento que também nós aqui nos reunimos ao celebramos a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus que, conforme ouvíamos há pouco no Sermão de São Proclo, é a sarça espiritual que o fogo do Deus nascente não queimou; é a leve nuvem que carregou o que se senta sobre os querubins, quando este tomou um corpo; é o veio puríssimo que recebeu o orvalho celeste, aquela em que o Pastor se revestiu de ovelha.[2]

E tudo isto, porque, como nos disse o autor sagrado da Carta aos Hebreus, devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. [3]

Ensina-nos, igualmente, o Documento de Aparecida, da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe[4] que Jesus, o Bom Pastor, quer comunicar-nos a sua vida e colocar-se a servido da vida. Vemos como ele se aproxima do cego no caminho[5], quando dignifica a samaritana[6], quando cura os enfermos[7], quando alimenta o povo faminto[8], quando liberta os endemoninhados[9]. Em seu Reino de vida Jesus inclui a todos: come e bebe com os pecadores[10], sem se importar que o tratem como comilão e bêbado[11]; toca com as mãos os leprosos[12], deixa que uma prostituta lhe unja os pés[13] e, de noite, recebe Nicodemos para convidá-lo a nascer de novo[14]. Igualmente, convida seus discípulos à reconciliação[15], ao amor pelos inimigos[16] e a optarem pelos mais pobres[17].

É diante do amor de Deus que é sempre Emanuel[18] e nunca abandona seu povo que hoje, como a Ssma. Virgem, nos recolhemos em oração e meditação.

E para nós, esta noite tem um caráter todo especial, uma vez que daqui a alguns instantes terminará mais um ano e outro começará. Por isso, a própria ocasião, por si só, constitui um forte apelo à reflexão e avaliação.

Como nas passagens do evangelho que citávamos, ao mencionar o Documento de Aparecida, experimentamos, várias vezes, no decorrer deste ano de 2007, a mão de Deus, tão afavelmente nos conduzindo. E, apesar dos nossos pecados, provamos, como diz São Pedro na sua Epístola, como o Senhor é bom![19]

Por isso, a primeira atitude que, nesta noite, deve brotar do nosso coração é a gratidão! A começar pela maior de todas as graças que é o próprio Deus, celebrado e recebido na Santa Eucaristia, na qual, quando bem recebida, nos tornamos Aquele que recebemos, como escreveu o Santo Padre na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis[20]

Da Eucaristia brotam os bens que recebemos, uma vez que todo dom precioso e toda a dádiva perfeita vêm do alto e desce do Pai das luzes, como nos diz a Palavra[21].

E devemos incluir nesta ação de graças, queridos irmãos, não só os momentos felizes, mas também as provações. Sim, nesta noite devemos colocar diante de Deus todo o ano de 2007, com os sorrisos e as lágrimas, os sucessos e fracassos, os reconhecimentos e as incompreensões que quiçá tenhamos passado. Mas nada disso foi permitido em vão pela amorosa providência de Deus que “nunca permite um mal se daquele mal não tirar um bem ainda maior”. Em tudo Deus age por amor, e até dos nossos males sabe tirar algo para o nosso crescimento, qual zeloso jardineiro que do esterco prepara o adubo para a vida e a beleza das flores.

E será a Santa Igreja que, por nossa voz, elevará ao seu Senhor e Esposo um solene hino de ação de graças, o Te Deum, uma vez que, como reza a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, não se encontra nada de verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração.[22]

Te Deum laudamus, te Dominum confitemur – A vós, ó Deus, louvamos. Nós vos aclamamos, sois o Senhor! Será assim que, diante do Santíssimo exposto, agradeceremos solenemente ao Senhor.

Contudo, meus irmãos, lembrando o caráter também penitencial das vigílias, como dizíamos há pouco, não podemos também nos esquecer de pedirmos perdão. Sabemos das nossas infidelidades, não reconhecendo o seu senhoril de Cristo e colocando a nossa limitada e mesquinha vontade acima da amorosa e infinita vontade de Deus!

Quantas vezes, no decorrer deste ano não enterramos os talentos que dEle recebemos em abundância, escondendo-os e inutilizando-os pela orgulho e pelo egoísmo? Ele, que é bom e misericordioso e que, como diz Sta. Teresa de Ávila, “nos ama não por aquilo que deveríamos ser, mas pelo que somos” nos perdoará e nos fortalecerá com a Sua graça.

Por fim, meus irmãos, lembremo-nos que, para nós cristãos, o tempo não é o cronos dos gregos, visto por eles como um monstro devorador; mas o kayrós, o tempo da graça, um grande dom de Deus que não devemos nunca desperdiçar. Por isso, consagremos a Deus, desde já, o ano de 2008, a fim de que nos dediquemos com todo o afinco a anunciar Jesus Cristo, a viver o evangelho, como os pastores, cujo anúncio, deixaram a todos maravilhados[23]. Aí descobriremos o que significa um ano sempre Novo e Próspero, sendo, pela intercessão “dAquela que nos trouxe o autor da vida”, um sinal vivo de Paz e Esperança para todos aqueles que nos cercam e nos cercarão no decorrer da nossa vida!

É nesta esperança inabalável que vem de Deus, que transforma cada minuto em dom de Seu Amor que concluo esta singela homilia com um velho poema:

Conta teu jardim pelas flores, nunca pelas folhas caídas;
Conta tua vida pelas horas alegres,nunca pelas tristes;
Conta tuas noites pelas estrelas, nunca pelas sombras;
Conta teus dias pelos sorrisos, nunca pelas lágrimas;
E, para bem desfrutares desta vida,
conta tua idade, não pelos anos, mas pelos amigos!

[1] Lc 2, 19
[2] Lecionário Monástico, Vol 1, Ed. Lumen Christi
[3] Hb 2, 17
[4] No. 353
[5] Cf Mc 10, 46-52
[6] Cf Jo 4, 7-26
[7] Cf. Mt 11, 2-6
[8] Cf. Mc 6, 30-44
[9] Cf. Mc 5, 1-20
[10] Cf. Mc 2, 16
[11] Cf. Mt 11, 19
[12] Cf. Lc 5, 13
[13] Cf. Lc 7, 36-50
[14] Cf. Jo 3, 1-15
[15] Cf. Mt 5, 24
[16] Cf. Mt 5, 44
[17] Cf. Lc 14, 15-24
[18] Cf. Mt 1, 23
[19] 1Pd 2,3
[20] No. 36
[21] Tg 1, 17
[22] No. 01
[23] Cf. Lc 2, 18

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