domingo, 30 de dezembro de 2007

Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José


Toda a vida de Cristo foi santificante e redentora, desde o primeiro instante em que se fez Carne no seio puríssimo da Santíssima Virgem até o dia do seu Sacrifício Redentor no Calvário. E quis o Senhor começar esta sua tarefa redentora no seio de uma família simples, normal. O lar onde nasceu foi a primeira realidade humana que Jesus santificou com a sua presença.

Nesse lar, José era o chefe de família; como pai legal era a ele que cabia sustentar Jesus e Maria com seu trabalho. Foi ele quem recebeu a mensagem do nome que devia dar ao Menino – pôr-lhe-ás o nome de Jesus[1] – e as indicações necessárias para proteger o Filho: Levanta-te, toma o Menino e foge para o Egito[2]. Levanta-te, toma o Menino e volta para a pátria[3]. Não vás a Belém, mas a Nazaré. Dele aprendeu Jesus seu ofício, o meio de ganhar a vida. Jesus devia muitas vezes manifestar-lhe a sua admiração e seu carinho.

De Maria, Jesus aprendeu maneiras de falar, ditos populares cheio de sabedoria, que mais tarde utilizaria na sua pregação. Viu com certeza como ela guardava um pouco de massa de um dia para o outro, como lhe jogava água e misturava com a nova massa, deixando-a fermentar bem abrigada debaixo de um pano limpo. Quando a Mãe remendava roupa o Menino devia observá-la; se uma peça tinha um rasgão, Maria procuraria um pedaço de pano que se ajustasse ao remendo. Jesus, com a curiosidade própria das crianças, perguntar-lhe-ia por que não se servia de um tecido novo; e a Virgem explicar-lhe-ia que os retalhos novos, quando são molhados, estiram o pano anterior e aumentam o rasgão; por isso era preciso fazer remendo com pano velho... E quando as melhores roupas, que se reservavam para os dias de festa como a Páscoa ou a Festa das Tendas, Maria sem dúvida tinha muito cuidado em colocar junto ervas próprias perfumadas, para evitar que a traça as destruísse. Tudo isso aparecerá anos mais tarde na pregação de Jesus... E são provas do santo alicerce que o Senhor se dignou ter nesta Família Sagrada, pois era ela exemplar, modelo de virtudes humanas, disposta a cumprir com exatidão a vontade de Deus.[4]
Mas não podemos só, amados irmãos, admirarmos de longe, como num presépio, esta Sagrada Família. É necessário que entremos nessa casa de Nazaré.

O Servo de Deus o papa Paulo VI, na alocução pronunciada na sua histórica visita à Terra Santa em 1964 e que lemos esta manhã no Ofício de Vigílias, nos lembra que Nazaré é a escola onde se começa a aprender a vida de Jesus: a escola do Evangelho. Aqui – diz o Pontífice – se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado tão profundo e tão misterioso, dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus /.../ Aqui se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo. Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui tudo fala, tudo tem seu sentido. Aqui, nesta escola, compreende-se a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do Evangelho e ser discípulo de Cristo”.[5]

Sim, meus queridos irmãos, Nazaré vem hoje ensinar a nós e as nossas famílias o cerne da vida cristã e sua medula mais preciosa, o discipulado de Jesus Cristo. Se quisermos segui-lO com radicalidade, a fim de que Sua Paz reine em nossos corações, como nos disse São Paulo na 2ª. Leitura[6], entremos em Nazaré e deixemos nos moldar por esta Escola de Amor.

E como necessitamos dessa Escola nos nossos dias! Na atual revolução social, a célula familiar está particularmente em perigo. Seu direito tradicional, sua moral, sua economia, sua função são frequentemente postas em discussão.

Do ponto de vista moral, as separações, o monstruoso assassinato do aborto, o espinhoso problema da limitação da natalidade e o aumento do número de matrimônios fracassados obrigam os cristãos a retomar consciência do caráter sagrado da família cristã. No plano econômico, a crise de moradia, o desemprego, o problema do tempo de lazer e convivência abalam a economia familiar e sacrificam essa célula essencial às exigências da sociedade técnica.

Hoje, mais do que nunca, devemos entrar na “Escola de Nazaré”, como disse Paulo VI, e aprender dela as lições sem as quais nenhuma Família verdadeiramente cristã poderá viver.

E a grande lição é o Amor a Deus através da oração, da vivência dos Sacramentos, sobretudo do Santo Matrimônio, imagem do amor fecundo da Santíssima Trindade.[7] Uma família que reza unida, unida permanecerá! Sim, pois diante de tantos obstáculos, será sempre a oração a nossa grande âncora de esperança. O Santo Padre, Bento XVI, na sua recente encíclica Spe Salvi nos ensina que o primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração. Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar – por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar – Ele pode ajudar-me.[8]

Se é verdade que não podemos julgar nem generalizar ninguém e que cada caso é sempre especial, é também verdade que muitas situações de conflito familiar seriam sanadas não na certidão de divórcio, mas à luz da Palavra de Deus; não na frente de um magistrado ou oficial de justiça, mas diante de Deus... Neste sentido, o Documento de Aparecida, da V Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, nos diz com ênfase: Deus ama nossas famílias, apesar de tantas feridas e divisões. A presença invocada de Cristo através da oração em família nos ajuda a superar os problemas, a curar as feridas e abre caminhos de esperança. E lembrando que todos nós, Igreja, temos aí grave responsabilidade, continua: Muitos vazios do lar podem ser atenuados através de serviços prestados pela comunidade eclesial, família de famílias.[9]

Mas tudo isto não se tornará realidade, se não nos enraizarmos na vontade de Deus, mesmo diante dos desafios e neblinas que muitas vezes parecem ocultar esta vontade. São João Crisóstomo, comentando o evangelho de hoje, põe em evidência a fé, obediência e fidelidade de S. José, o chefe da Sagrada Família, diante da palavra do Anjo que o chamava a fugir para o Egito: “Ao ouvir isto José não se escandalizou nem disse: isto parece um enigma! Tu próprio, ainda não há muito, dizias-me que Ele salvaria o seu povo, e agora não é capaz de se salvar nem sequer a si mesmo, mas até temos necessidade de fugir, de empreender uma viagem, uma longa deslocação; isto é contrário à tua promessa! Mas não diz nada disto, porque José é um varão fiel. Também não pergunta pela data do regresso, apesar de o Anjo a ter deixado indeterminada, pois lhe tinha dito: fica lá até que eu te avise. Não obstante, nem por isso levanta dificuldades, mas obedece e crê e suporta todas as provações com alegria. É bem verdade que Deus, amigo dos homens, mistura mágoas e alegrias, procedimento que adota com todos os santos. Porém, nem as penas nem as consolações no-las envia ininterruptamente, mas com umas e outras Ele vai tecendo a vida dos justos. Isto mesmo fez com S. José”.

Jesus, viveu a plena obediência à vontade do Seu Pai. [10] Maria Santíssima guardava tudo no seu coração e meditava em constante oração.[11] José, no silêncio, na oração e no trabalho, era exemplo de pai, de esposo, de monge e de sacerdote.

No silêncio eloqüente da presença de Deus, vivia esta Família. Ó silêncio de Nazaré – exclama ainda Paulo VI – ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo.

É também em Nazaré que aprendemos verdadeiramente a ser família, ou, como dissemos a pouco, retomar consciência do caráter sagrado da família cristã. Em meio a esta tempestade que vive a família hodierna, assolada por tantos males, aprendemos a necessidade do amor, vivido sobretudo na doação desinteressada e no perdão. Sim, meus irmãos, nenhuma família, nenhuma comunidade, pode jamais se chamar de cristã, se não vive com sinceridade o dom do perdão. É nele que o amor é construído e a paz é concretizada. Sem perdão não há nem pode haver a verdadeira paz! Se quisermos a paz nas nossas famílias e nas nossas comunidades, aprendamos a perdoar! Repito, sem perdão não há paz!

Meus amados irmãos e irmãs, já nas vésperas da celebração da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, concluo esta singela homilia, com as marcantes palavras do Servo de Deus João Paulo II, na sua Exortação Apostólica Familiaris Consortio: Desejamos que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, seja também Mãe da “Igreja doméstica”, e que, graças à sua ajuda materna, cada família cristã possa chegar a ser verdadeiramente uma pequena Igreja de Cristo. Seja Ela, Serva do Senhor, exemplo de uma aceitação humilde e generosa da vontade de Deus; seja Ela, Mãe Dolorosa aos pés da Cruz, quem alivie os sofrimentos e enxágüe as lágrimas daqueles que sofrem pelas dificuldades das suas famílias. E que Cristo Senhor, Rei do Universo, Rei das famílias, esteja presente, como em Caná, em cada lar cristão, para dar luz, alegria, serenidade e fortaleza.[12]

[1] Mt 1, 21
[2] Mt 2, 13
[3] Cf. Mt 2, 20
[4] Cf. CARVAJAL, Francisco Fernández, in “Falar com Deus”, Ed. Quadrante, São Paulo, 1995, Vol. 1, pp.156-157,
[5] Liturgia das Horas, Vol. I
[6] Cf. Cl 3, 15
[7] Cf. Documento de Aparecida, Texto conclusivo da V Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, no. 117
[8] No. 32
[9] Documento de Aparecida, Texto conclusivo da V Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, no. 119
[10] Cf. Lc 22, 42
[11] Cf. Lc 2, 51
[12] No. 86

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